A Palavra

sábado, 11 de novembro de 2023

Vivo, porém morto

Santidade e santarrice não se combinam. Aquele cuja vida cristã é representativa, mesmo que possa enganar muitos, está totalmente exposto diante de Deus, daquele que conhece quem tem fama de estar vivo, mas está morto

Vivo morto
Imagem gerada por IA
Pr. Cleber Montes Moreira

“Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela…” (2 Timóteo 3:5)
“Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto.” (Apocalipse 3:1)

Mariana é dona de uma voz inconfundível. Quando louva, o auditório silencia. Parece que o Céu desce à Terra. Certa noite, após o pastor pregar uma poderosa mensagem sobre “Como Deus cuida de Seus filhos”, o auditório, repleto, emocionou-se ao ouvi-la entoar maviosamente: “Aflito e triste coração, Deus cuidará de ti! Por ti opera a Sua mão, que cuidará de ti […].”

Ao contrário da piedade aparente, a adoradora domingueira leva uma vida dupla: aos domingos e em datas especiais, como casamentos e aniversários, canta na igreja. No entanto, aos sábados e em dias de festas, frequenta lugares inadequados para um cristão, bebe e ainda posta em seus perfis nas redes sociais fotos e legendas que não condizem com a fé cristã. Em certa ocasião, postou um convite para um evento de universitários intitulado “Festa da Pinga”. No templo, é santa; no mundo, é profana; ostenta vida, mas está morta.

Mariana não é exceção. Ela nos revela um comportamento cada vez mais frequente entre os crentes, principalmente entre os mais jovens: “um pé na igreja, outro no mundo”, como se pudessem ao mesmo tempo servir a Cristo e satisfazer a carne, desconsiderando a exortação que diz: “Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tiago 4:4).

Para aqueles que acham que “brincar de crente” é muito divertido, fica a advertência: santidade e santarrice não combinam. O hipócrita — aquele cuja vida cristã é representativa — pode enganar a muitos, mas não a Deus. Ele conhece as obras de cada um e sabe quem tem fama de vivo, mas está morto. Pense nisso!


Itaperuna, 2019

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

O papel do pastor em tempos de apostasia da fé

Em tempos de crescente apostasia da fé, o papel do pastor é de extrema importância. Ele deve ser guardião da doutrina, defensor das ovelhas e afugentador dos falsos mestres

Pastor afugentando um lobo
Imagem gerada por IA

Pr. Cleber Montes Moreira

Texto bíblico: 2 Timóteo 4:1-5

Em um tempo em que muitos estão se afastando da fé e se multiplicam os falsos mestres, é urgente que os pastores fiéis liderem com responsabilidade e firmeza, manejando com sabedoria a Palavra da Verdade, ensinando e protegendo o rebanho contra qualquer influência que possa desviá-lo da sã doutrina, ao mesmo tempo em que devem combater os hereges, garantindo o bem-estar daqueles a quem Deus lhes confiou para cuidar.

Neste estudo, abordaremos cinco aspectos fundamentais do papel do pastor neste tempo de apostasia da fé. Vejamos:

1. Manejar bem a Palavra da Verdade

O apóstolo Paulo exortou Timóteo a “manejar bem a Palavra da Verdade” (2 Tm 2:15). Conforme nos explica Russel Norman Champlin, “manejar bem” é a tradução do grego “orthotomeo”, que literalmente significa “cortar reto”, provavelmente uma metáfora inspirada nas atividades dos lavradores que “aram em linha reta”, ou na atividade de um alfaiate, que precisa cortar o tecido de forma correta. Isso implica que o pastor deverá usar habilidosamente as Escrituras para a execução de um bom trabalho, assim como o lavrador é habilidoso com seu arado ou o alfaiate com sua tesoura.1

A ferramenta de trabalho do pastor é a Bíblia Sagrada, e ele precisa utilizá-la com destreza. Embora deva buscar conhecimento e aperfeiçoamento recorrendo a recursos complementares, ele deve utilizar a Bíblia como fonte de autoridade, eficaz e suficiente para ministrar ao rebanho, sem se desviar, sem cair na tentação de ressignificá-la ou colocá-la em segundo plano. Ele precisa acreditar no poder da Palavra para a salvação de todos que creem (Rm 1:16) e como instrumento para guiar o rebanho, seguindo a orientação paulina de pregar, estar preparado a tempo e fora de tempo, corrigir, repreender, exortar e instruir em justiça, com toda a longanimidade e doutrina (2 Tm 4:2; 3:16). O pastor que despreza as Escrituras ou se encanta por outro objeto de trabalho já apostatou ou está a um passo de apostatar da fé.

2. Ensinar eficazmente o povo de Deus

O conselho de Paulo a Tito deve ser observado por todos que desejam servir fielmente: “Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina” (Tt 2:1). Infelizmente, a palavra “doutrina” hoje é indigesta. Talvez para alguns, a sua rejeição seja parte do esforço para alargar a porta estreita (Mt 7:13). Certa ocasião, numa igreja por onde passei, um seminarista, ao dar um relatório sobre seus encontros evangelísticos com universitários, disse: “Pastor, lá não pregamos doutrina”. Ora, não há evangelização sem doutrina, não há aconselhamento sem doutrina, não há crescimento espiritual sem doutrina, e nem mesmo há igreja sem doutrina, porque a doutrina de Cristo, transmitida pelos apóstolos, é o fundamento a partir do qual a igreja é edificada (At 2:42; Tt 2:1,7,9; 2 Tm 3:10; Ef 2:20-22). Uma igreja sem doutrina seria como um corpo sem a coluna vertebral.

Somente uma igreja alicerçada na Bíblia Sagrada poderá opor-se à apostasia que ameaça o rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, o pastor deve ensinar eficazmente. Paulo instrui Timóteo a “exortar com toda a longanimidade e doutrina”, enfatizando a necessidade de um ensino contínuo e consistente (2 Tm 4:2).

3. Resistir aos falsos profetas/mestres

O Novo Testamento alerta repetidamente sobre a presença de falsos profetas e mestres que distorcem a verdade para enganar os crentes (Mt 7:15,16; 2 Pe 2:1; 2 Co 11:13; 1 Jo 4:1; Ap 2:20). É dever do pastor discernir e resistir a essas influências enganosas. Jesus admoestou sobre a vinda de falsos cristos e falsos profetas e instruiu seus seguidores a não se deixarem enganar (Mateus 24:24). O pastor deve estar vigilante, protegendo seu rebanho contra ensinamentos heréticos.

4. Formar liderança competente e comprometida

A formação de líderes fiéis à sã doutrina é vital para a saúde da igreja local e sua preservação para as futuras gerações. O apóstolo Paulo instruiu Timóteo a selecionar líderes competentes e comprometidos, que fossem aptos a ensinar e a liderar com integridade (1 Tm 3:1-13; 2 Tm 2:2). O pastor deve incentivar a igreja a investir na formação e capacitação de líderes, assegurando que a congregação possa contar em seus ministérios e/ou departamentos com pessoas com visão bíblica correta, capazes de guiar outros com amor, entendimento e no temor do Senhor.

5. Fazer a sucessão segura (passar o bastão)

O último aspecto refere-se à responsabilidade do pastor em garantir uma sucessão segura e bíblica. O apóstolo Paulo orientou Timóteo a treinar outros para que pudessem dar continuidade à obra do ministério (2 Tm 2:2). O pastor deve identificar vocacionados, preparar líderes e potenciais pastores para assumirem o seu lugar, assegurando que a igreja prossiga na proclamação da verdade de Cristo de geração em geração. Isso difere da transmissão do ministério pastoral por hereditariedade, que é um erro terrível que temos observado nestes dias confusos.

A negligência quanto a esse aspecto tem criado uma lacuna ou deficit de liderança que tem causado prejuízos enormes para as igrejas. Não há falta de obreiros, mas falta de obreiros comprometidos com Deus e fiéis às Escrituras, porque há muitos obreiros fraudulentos (2 Co 11:13). Todos os anos, um sem número de pessoas se formam em cursos teológicos, mas nem todos com o preparo adequado e, o mais importante, muitos sem convicção de chamada. Isso sem falar naqueles que nunca tiveram uma experiência real de salvação. É importante observarmos a exortação de Paulo a Timóteo para que a ninguém impusesse precipitadamente as suas mãos (1 Tm 5:22).

Bom seria se cada pastor pudesse conduzir o processo de sua própria sucessão pastoral, passando o bastão para outro servo fiel. No entanto, sabemos que isso raramente acontece. Em muitos casos, isso depende do discernimento e da vontade da igreja, que frequentemente abre mão dos critérios bíblicos (1 Tm 3:1-11) para traçar um perfil de pastor com base em critérios humanos, o que tem causado tristeza e enormes prejuízos no meio do povo de Deus.

Conclusão

Em tempos de crescente apostasia da fé, o papel do pastor é de extrema importância. Ele deve ser guardião da doutrina, defensor das ovelhas e afugentador dos falsos mestres. Neste estudo, enfatizamos cinco aspectos fundamentais do papel do pastor, a saber:

1. Manejar bem a Palavra da Verdade, usando a Bíblia como fonte de autoridade e suficiente para ministrar ao rebanho.

2. Ensinar eficazmente a sã doutrina, pois a doutrina de Cristo é o alicerce da igreja.

3. Resistir aos falsos profetas e mestres, protegendo o rebanho contra ensinamentos heréticos.

4. Formar liderança competente e comprometida, investindo na capacitação de líderes com visão bíblica correta.

5. Fazer a sucessão segura, preparando líderes para continuar a obra do ministério e assegurando que a igreja proclame a verdade de Cristo de geração em geração.

A negligência em qualquer um desses aspectos pode enfraquecer a igreja e comprometer sua fidelidade às Escrituras. Portanto, é fundamental que os pastores atentem a essas responsabilidades para preservar a sã doutrina e o bem-estar espiritual do rebanho confiado a eles.

_____________________
Champlin, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo. Vol. V. São Paulo: Editora e Distribuidora Candeia, 1995, p. 379

sábado, 4 de novembro de 2023

Nossa língua como espelho da alma: o poder das palavras em nossas vidas

Assassinos de Reputações ou Promotores do Bem? O Impacto das Palavras

Língua de serpente
Imagem gerada por IA
Pr. Cleber Montes Moreira

“Mas eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado.”
(Mateus 12:36,37)

“Assassinato de reputações” é uma expressão que se refere ao ato intencional de difamar ou denegrir a imagem de uma pessoa ou organização por meio da disseminação de informações falsas, calúnias ou acusações graves. Geralmente, essa difamação é perpetrada por formadores de opinião ou grupos de mídia, com o propósito de prejudicar a credibilidade e a honra da vítima. Podemos dizer que os fariseus e os escribas eram formadores de opinião. Eles, sentindo inveja porque o povo admirava Jesus e, devido aos seus milagres, começava a inferir que Ele era o Messias, temiam que sua crescente fama representasse uma ameaça à sua autoridade. Por isso, acusaram-no de expulsar demônios por Belzebu, com o objetivo de desacreditá-lo (Mateus 12:24). Mas o Senhor conhecia suas intenções.

Há certas afirmações que podem parecer provenientes da verdade, cheias de boas intenções, ditas de modo persuasivo por pessoas “confiáveis” e mesmo assim carregarem um mau propósito. Portanto, devemos ter atenção e não formarmos opinião precipitadamente sobre ninguém.

Tiago nos diz que uma mesma língua pode bendizer a Deus e amaldiçoar os homens, e de uma mesma boca proceder bênção e maldição. Porém devemos estar atentos, porque a fonte se conhece pela água que jorra, e a árvore pelo seu fruto (Tiago 3:9-12), tal como nos ensinou Jesus: “Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má, e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore” (Mateus 12:33). O Senhor sabe se o que falamos é fruto de inveja, sentimentos facciosos e se consiste em mentira (Tiago 3:14); Ele conhece a fonte de nossos pensamentos.

O coração é como um depósito, de onde o homem bom tira coisas boas, e o homem mau coisas más. Assim, nossas palavras revelam sentimentos, valores e intenções, e exteriorizam quem verdadeiramente somos (Mateus 12:35).

Os versículos 36 e 37 de Mateus 12 trazem uma séria advertência: nós daremos contas a Deus de toda palavra má, seja contra o próprio Deus ou contra o próximo, uma vez que nossas palavras revelam nossa natureza, se carnal ou espiritual, de modo que por elas seremos justificados ou condenados. Sim, nosso falar revela nossa condição em relação a Cristo; se falamos ou não como filhos de Deus.

Victor Hugo tem razão quando diz que “as palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”. Todos nós somos “formadores de opinião”, alguns mais, outros menos, na família, na igreja, na sociedade. Nossas palavras têm o poder de alegrar ou entristecer, de curar ou fazer adoecer, de honrar ou envergonhar, de edificar ou escandalizar, de matar ou vivificar. Nossas palavras revelam nossas obras e por elas quem realmente somos. Que em vez de “assassinos de reputações”, sejamos promotores do bem. Pense nisso!


sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Perdoando como Deus nos perdoou: uma exortação bíblica

O perdão como prática essencial na vida cristã e expressão da identidade espiritual

Perdoar
Imagem: Freepik
Cleber Montes Moreira

“Antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo” (Efésios 4:32).


O perdão é um tema recorrente nas Escrituras. Sua prática promove a cura de feridas emocionais e é exigida nos relacionamentos entre irmãos.

O verso 32 contrasta com o que é enumerado no verso 31: em vez de “amargura, ira, cólera, gritaria, blasfêmia e toda a malícia”, somos exortados a ser benignos, misericordiosos e a perdoar uns aos outros, sendo esta disposição distintiva da comunhão cristã. Somos uma família de pessoas perdoadas e exortadas a praticar o perdão.

Perdoar deve ser um ato intencional. Pode não ser fácil, mas é necessário para a saúde espiritual de cada membro e, consequentemente, de toda a igreja. Se o amor nos identifica como discípulos do Senhor (João 13:35), o perdão é também uma expressão de nossa identidade cristã.

Algumas pessoas que afirmam ter perdoado alguém, na realidade continuam ressentidas. Elas frequentemente reavivam o sentimento de mágoa, o que impede a cicatrização da ferida. Essa atitude causa maiores males ao ofendido do que ao ofensor e as torna culpadas diante de Deus. Um exemplo desse comportamento pode ser observado na parábola do servo incompassivo, que, após ter sua dívida perdoada pelo rei, recusa-se a perdoar seu próprio devedor (Mateus 18:21-35).

Outros dizem: “Eu já perdoei, mas não consigo conviver.” Certamente, a convivência nem sempre depende de nós, porém devemos observar aqui o mesmo princípio encontrado em Romanos 12:18: “Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens.” No que depender de nós, devemos não apenas “liberar alguém da dívida” que tem para conosco, mas estender a mão, buscar a reconciliação e selar a paz. Afinal, foi isso que Deus fez: Ele não apenas nos perdoou, mas nos reconciliou consigo por meio de Jesus Cristo (Romanos 5:10) e nos fez parte do seu povo — Ele nos perdoou de forma completa e incondicional, não com base em nossos méritos, mas em Sua graça. Quando reconhecemos o perdão divino, somos chamados a seguir esse exemplo e perdoar da mesma maneira. O perdão genuíno não é forçado; é uma expressão voluntária de amor e compaixão daquele que é guiado pelo Espírito Santo.

O perdão surge da nossa própria vivência do amor perdoador de Deus em Cristo, enquanto a insubmissão a Ele é a causa de seu oposto. Pense nisso!


Livros teológicos?

livros teológicos