A Primazia de Cristo | A Palavra
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terça-feira, 29 de agosto de 2023

A Primazia de Cristo

Muitas igrejas locais ao redor do mundo, que eram vigorosas, foram removidas… Certamente, em algum momento, elas deixaram de dar primazia a Cristo e não se arrependeram. E nós, que futuro estamos escrevendo?

Templo em ruínas
Imagem gerada por IA
Pr. Cleber Montes Moreira

Texto bíblico: Apocalipse 2:1-7

Éfeso foi uma cidade significativa na província romana da Ásia, situada próxima ao Mar Egeu, com cruzamentos de estradas importantes. Isso a tornou crucial como ponto de conexão entre os lados europeu e asiático do Império Romano. No primeiro século, a população de Éfeso era estimada entre 250.000 e 500.000 habitantes. Além disso, a cidade era conhecida por adorar a deusa da fertilidade, Ártemis, também conhecida como Diana.

No Novo Testamento, encontramos que Paulo deixou Áquila e Priscila lá após sua segunda viagem missionária, para atualizarem Apolo sobre os ensinamentos do Senhor (Atos 18:18-26). Mais tarde, o apóstolo voltou a Éfeso em sua terceira viagem, pregando ali por três anos (Atos 19:1-41; 20:31). Ele também se reuniu com os presbíteros de Éfeso em Mileto (Atos 20:17-38). Durante seu período de prisão, Paulo escreveu a Epístola aos Efésios e deixou Timóteo lá para fortalecer a fé dos irmãos (1 Timóteo 1:3).

Dessas referências, percebe-se que a igreja de Éfeso precisava lidar com doutrinas e discernir a verdade. Áquila e Priscila auxiliaram Apolo nesse sentido, e Paulo alertou sobre falsos mestres entre os presbíteros. A Carta aos Efésios enfatiza o amor, um tema também presente na carta apocalíptica. De acordo com J. B. Smith, a situação em Éfeso retrata o declínio do cristianismo no final do primeiro século, simbolizado pela perda do “primeiro amor”.

1. Eles perderam de vista o “primeiro amor”

Sobre “Lembra-te, pois, de onde caíste” (v. 5), Champin nos apresenta alguns pontos relacionados à decadência dos crentes de Éfeso: (1) apesar do fervor inicial na devoção, eles caíram; (2) perderam sua posição espiritual elevada; (3) a dedicação ao serviço motivado pelo amor foi abandonada; (4) embora mantendo a ortodoxia, ainda assim caíram; (5) continuaram a defender a verdade, mas caíram; (6) mesmo com esforços impressionantes, a queda ocorreu; (7) não negaram a Cristo sob perseguição, mas caíram.

No texto, a palavra traduzida por “primeiro” é o termo grego protos que significa: o primeiro em termos de tempo ou lugar, em uma sequência de eventos; o primeiro em posição, ou seja, em termos de influência, honra e relação com outras coisas ou pessoas. No contexto do texto, a expressão “primeiro amor” denota a ideia de prioridade. Isso nos leva a entender que, na vida daqueles irmãos, apesar de suas virtudes, trabalho, resistência aos falsos apóstolos e perseverança diante de perseguições, Cristo não detinha a supremacia; eles estavam direcionando seu amor a outras pessoas e/ou coisas antes do Senhor Jesus. Dessa forma, transgrediam o principal mandamento que declara: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento” (Mateus 22:37).

O contexto em Éfeso também revela traços que se aplicam aos crentes contemporâneos: (1) alguns que costumavam arder por Cristo agora o relegaram a plano secundário; (2) muitos que tiveram experiências espirituais profundas agora estão enfraquecidos; (3) outros que antes serviam por amor, agora o fazem por ativismo, hábito ou medo; (4) embora possam manter a doutrina correta, trabalhar na obra e resistir às perseguições, ainda assim perderam o seu “primeiro amor”.

Champlin sugere algumas possibilidades sobre a queda da igreja em Éfeso em relação ao amor inicial por Cristo: (1) a mudança de comportamento ainda não ocorreu, mas é inevitável; (2) o amor por Cristo pode persistir, embora com menos intensidade; (3) ações cristãs significativas podem surgir de motivações diferentes do amor, o que não é ideal. O capítulo 13 de 1 Coríntios enfatiza o amor como o principal impulso por trás das práticas cristãs e dos dons espirituais.

2. Eles perderam a motivação correta para a vida cristã

A motivação adequada para a vida cristã foi perdida por alguns. Há pessoas que expressam seu amor por Jesus, mas são movidas por outros motivos. Enquanto Marta “andava distraída em muitos serviços”, Maria preferiu estar na presença de Jesus. Isso nos lembra da importância de priorizar o relacionamento com Cristo em meio às atividades diárias (Lucas 10:40).

Essa situação é comparável a alguém que se prepara meticulosamente para receber um visitante, mas, devido à agitação, não consegue realmente aproveitar a visita. Marta exemplifica essa abordagem, concentrando-se tanto em servir Jesus que negligenciou desfrutar de Sua presença. Embora seu desejo fosse agradá-Lo, acabou perdendo o foco.

Isso se relaciona com várias situações do cotidiano: (1) muitos se dedicam à obra de Cristo, mas Ele anseia por um relacionamento mais profundo do que simplesmente nosso esforço; (2) defender a doutrina é essencial, mas o Senhor espera mais; (3) o louvor é significativo, mas Jesus busca algo além de adoração superficial; (4) enfrentar desafios por causa da fé é importante, mas Cristo busca compromisso genuíno, não apenas palavras; (5) avaliar nosso progresso é vital, mas a verdadeira relação com o Senhor requer uma disposição sincera para o arrependimento.

Existe uma música bem conhecida no meio evangélico cujo refrão diz: “Se ele não for o primeiro em seu coração, então ele não é mais nada, não passa de uma ilusão”. Isso serve como alerta para cultivarmos um amor genuíno por Cristo, garantindo que nosso trabalho e zelo cristão decorra desse amor primordial, evitando que nosso cristianismo se torne uma mera ilusão.

3. Eles estavam gradativamente se distanciando de Cristo

Sobre a diminuição do amor por Cristo, Champlin explica que um crente que já foi cheio do Espírito Santo pode gradualmente sucumbir aos apelos da carne, ao orgulho pessoal e aos desejos mundanos. Isso resulta em um afastamento do que era valioso anteriormente, de maneira similar a quando alguém perde gradualmente o amor por alguém que costumava ser sua “querida noiva”. Com o tempo, essa pessoa deseja cortar os laços, muitas vezes com o objetivo de buscar outra pessoa. Eventualmente, encontrará uma alternativa que satisfaça esse desejo, mas apenas porque emocionalmente já se desvinculou daquela a quem amava profundamente antes.

Na igreja podemos identificar duas situações possíveis em relação a Cristo: (1) pessoas não salvas atraídas por uma experiência emocional, mas que ainda não experimentaram a salvação genuína e o amor por Cristo. Estão confrontando a realidade de uma vida sem a presença do Senhor; (2) indivíduos que genuinamente foram salvos, mas estão sendo atraídos por outros interesses que competem com Cristo. Isso os coloca em risco de infidelidade espiritual, requerendo exortação ao arrependimento.

Analogamente a um casamento: (1) Um marido que antes era dedicado, mas agora está distraído pelo trabalho excessivo, negligencia sua família e coloca o casamento em risco; (2) Uma esposa dedicada que se sobrecarrega com responsabilidades, rejeita o marido, prejudicando o relacionamento; (3) Um cônjuge fiel que começa a ter pensamentos inadequados sobre outra pessoa corre o risco de se envolver emocionalmente; (4) Mesmo cônjuges leais, devido ao trabalho excessivo, outras ocupações e/ou distrações, podem colocar o parceiro em segundo plano, comprometendo o relacionamento.

Alguns crentes podem se envolver, prioritariamente, com outras questões ou pessoas, colocando Cristo em segundo plano. Alguns podem enfraquecer a ponto de desejar coisas que não estão alinhadas com Cristo, como algum pecado, uma nova doutrina (mais conveniente) ou padrão moral, e ainda assim, aparentar ter uma espiritualidade sadia. Quando Cristo não é a prioridade, outro senhor acaba ocupando o Seu lugar.

4. A necessidade do arrependimento como elemento de reconstrução de uma espiritualidade sadia

Diante do terrível quadro em que o amor dos crentes por Cristo estava esfriando, a ponto de Ele não mais ter primazia em suas vidas, há uma exortação ao arrependimento. Observem os verbos contidos no texto: “Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras” (v. 5 — grifo do autor).

O verdadeiro arrependimento consiste em:

(1) Lembrar: Uma avaliação correta que nos conduz a uma compreensão sincera de como e onde erramos; algo que só é possível mediante a humildade de permitir que o Espírito Santo atue em nós;

(2) Arrepender: Uma mudança sincera do nosso modo de pensar e viver em relação a Cristo, pois é isso que o arrependimento significa. Embora todo crente tenha se arrependido de seus pecados quando da salvação, durante a jornada cristã devemos manter sempre uma postura de arrependimento, reconhecendo nossos erros e moldando nossas práticas de acordo com o evangelho;

(3) Praticar: O arrependimento verdadeiro se comprova por meio de práticas condizentes. Devemos produzir “frutos dignos de arrependimento” (Mateus 3:8). Isso implica uma prática de vida coerente com a primazia de Cristo.

A falta de arrependimento acarreta o juízo divino: “Quando não, em breve virei a ti e tirarei o teu castiçal do seu lugar, se não te arrependeres” (v. 5). Champin, citando outro autor, nos apresenta o triste desfecho de uma igreja vibrante em Éfeso: “O seu candeeiro foi removido do seu lugar por séculos; a pequena vila islâmica mais próxima do antigo local da cidade não possui um único crente em sua modesta população: o seu templo é um amontoado de ruínas disformes; o seu porto é agora uma poça tomada pelos juncos; a galinhola real prolifera em meio aos charcos estagnados e pestilentos; a malária e o esquecimento predominam naquele lugar onde uma antiga civilização já resplandeceu, entre cenas das mais grosseiras superstições e dos pecados mais degradantes.” (Farrar, Life and Work of Paul, ii.43-44).

Muitas igrejas locais ao redor do mundo, que eram vigorosas, deixaram de existir, e hoje seus templos estão em ruínas; tornaram-se bares, locais de entretenimento ou até mesmo casas noturnas. Certamente, em algum momento, elas deixaram de dar primazia a Cristo e não se arrependeram. E nós, que futuro estamos escrevendo?

Conclusão

Precisamos avaliar o que Cristo significa para nós e o lugar que Ele ocupa em nossas vidas. Ele é o primeiro? Digo, não somente em nossos discursos, mas na prática. Há algo que amamos mais que a Cristo e que precisa ser deposto do lugar que é dEle?

Sobre a vida que levamos e o que fazemos, a nossa motivação qual é? Fazemos tudo pensando em Cristo como nosso amado Senhor, tendo Ele primazia em nossas vidas? Ou somos levados por outras motivações?

Há algo do qual devamos nos arrepender?


Em 27 de agosto de 2023

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