“E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra…” (Gênesis 1:28. Veja também Gênesis 9:1,7)
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Pr. Cleber Montes Moreira
Um artigo da BBC Brasil, publicado em 20 de fevereiro de 2023, destaca a crescente tendência de casais que optam por não ter filhos. A matéria apresenta o exemplo de Marcela Muñoz, uma influenciadora de 27 anos que celebra seu estilo de vida childfree nas redes sociais, enfatizando a liberdade de viajar, praticar esportes e aproveitar a vida sem as responsabilidades da maternidade.1
O movimento, conhecido como childfree, defende a autonomia reprodutiva, enquanto o antinatalismo vai além, argumentando que procriar é moralmente errado, seja pelo sofrimento inerente à vida, pela superpopulação ou por preocupações ambientais.
No Brasil, a taxa de fecundidade caiu drasticamente: de 6,3 filhos por mulher em 1960 para 1,62 em 2023 — número inferior à taxa de reposição populacional de 2,1, segundo o IBGE. Se essa tendência persistir, a população brasileira deverá começar a diminuir já em 2041, trazendo sérias consequências sociais, econômicas e espirituais.
Enquanto o mundo promove discursos de “liberdade” desvinculados da vontade de Deus, o povo de Deus precisa ser instruído e encorajado a honrar os princípios bíblicos referentes à maternidade, à paternidade e ao valor da vida.
O presente artigo propõe refletir sobre o envelhecimento da população, suas implicações para a sociedade e para as igrejas, e apresentar uma perspectiva bíblica que incentive a natalidade, reconhecendo os filhos como bênção divina.
1. O Desafio do Envelhecimento Populacional
O Brasil, outrora considerado um país jovem, passou por uma transição demográfica significativa. Até os anos 1980, a população era majoritariamente composta por jovens; hoje, o país é caracterizado como uma nação envelhecida. Estudos recentes apontam que 37% das mulheres brasileiras não desejam ser mães, influenciadas por diversos fatores, entre os quais destacam-se:
- O maior acesso a métodos contraceptivos e o incentivo ao planejamento familiar, que contribuíram para a redução da natalidade;
- A crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, levando muitas a adiarem a maternidade ou a priorizarem a carreira e a autonomia pessoal;
- O avanço da urbanização e o aumento do custo de vida, que geram preocupações financeiras e levam casais a optarem por ter menos filhos;
- O aumento da idade média para o nascimento do primeiro filho, o que naturalmente diminui o número de nascimentos ao longo da vida reprodutiva;
- Influências culturais e ideológicas que retratam a maternidade como um fardo ou uma forma de opressão, alimentando movimentos como o childfree e o antinatalismo.
Esse cenário também se reflete na substituição de filhos por animais de estimação. Dados do IBGE (2022) revelam que o Brasil possui 40,1 milhões de crianças e adolescentes de até 14 anos, enquanto o Instituto Pet Brasil contabiliza 58,1 milhões de cães nos lares brasileiros, além de um número expressivo de gatos. Em países como o Japão, essa tendência é ainda mais evidente: com uma das populações mais envelhecidas do mundo, o número de animais de estimação já supera amplamente o de crianças.
O envelhecimento populacional traz consigo diversos desafios. No campo econômico, sobrecarrega os sistemas de previdência e saúde. No campo social, contribui para o aumento da solidão na velhice. Para as igrejas, a queda na natalidade representa um sério alerta quanto ao futuro: menos crianças e jovens significam menos obreiros, menos vocacionados e menos discípulos para sustentar a obra e cumprir o “Ide” de Jesus (Mateus 28:19-20).
É importante destacar que essa crise vai além das dimensões social e econômica — ela é, antes de tudo, espiritual. O abandono da visão bíblica sobre a família, os filhos e o propósito da Igreja revela uma sociedade cada vez mais distante da vontade de Deus. Como cristãos, somos chamados a discernir essa realidade à luz das Escrituras e a enfrentá-la com firmeza doutrinária, por meio de ensino e ações que busquem transformar pensamentos, práticas e o cenário atual.
2. O Mandamento Para Frutificar: Filhos são Herança do Senhor
A Bíblia apresenta a procriação como um mandamento e uma bênção. Em Gênesis 1:28, Deus ordena: “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra”. Esse chamado é reiterado após o dilúvio, em Gênesis 9:7: “E vós, frutificai, e multiplicai-vos; povoai abundantemente a terra, e multiplicai-vos nela”. A procriação não é apenas uma questão biológica, mas um ato de obediência a Deus, que expressa Sua vontade de encher a terra com vidas humanas, criadas por Ele, e com potencial para conhecê-Lo, servi-Lo e refletir Sua glória.
Os filhos são descritos como bênçãos divinas:
Salmos 127:3-5: “Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão. Como flechas na mão de um homem valente, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava”.
Salmos 128:3-4: “A tua mulher será como a videira frutífera aos lados da tua casa; os teus filhos como plantas de oliveira à roda da tua mesa. Eis que assim será abençoado o homem que teme ao Senhor”.
Ter filhos não é apenas para povoar a terra, mas para trazer alegria, companhia e cuidado mútuo. Crianças são cuidadas na infância, enquanto pais são honrados e amparados na velhice (Êxodo 20:12). Recusar-se a ter filhos, quando não há impedimentos reais, é contrariar o plano original de Deus. É, na prática, uma rebelião silenciosa contra o Criador, alimentada por uma mentalidade pós-moderna que exalta o prazer, o individualismo e o conforto em detrimento da obediência, do sacrifício e da missão de formar uma geração temente ao Senhor.
3. A Esterilidade e a Bênção da Adoção
Nem todos os casais podem ter filhos biológicos, e a esterilidade é uma realidade dolorosa para muitos. No entanto, a Bíblia oferece esperança através da adoção, um ato de amor que reflete o coração de Deus. Em Romanos 8:15, lemos: “Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”. Deus nos adotou, nós os que cremos em Jesus Cristo, como Seus filhos, sendo o maior exemplo de amor adotivo.
A adoção é uma solução bíblica para casais inférteis e uma oportunidade para todos os cristãos. Apesar de preconceitos que associam filhos adotivos a problemas, há inúmeros relatos de adoções bem-sucedidas que trazem alegria e sentimento de realização às famílias. Mesmo famílias com filhos biológicos devem ser encorajadas a considerar a adoção, pois é um ato que agrada a Deus (Tiago 1:27: “A religião pura e imaculada para com Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações”). Uma igreja saudável acolhe os órfãos e incentiva famílias a fazerem o mesmo.
Adotar é imitar o coração de Deus, trazendo crianças para um lar amoroso e cumprindo o chamado de cuidar dos necessitados.
4. Igrejas Sem Crianças: Um Sinal de Alerta
A baixa natalidade não afeta apenas a sociedade — ela impacta diretamente a vida e o futuro das igrejas. Muitas comunidades cristãs enfrentam hoje a realidade preocupante de se tornarem “igrejas sem crianças”. Salas de escola bíblica infantil esvaziadas, cultos silenciosos e a ausência de vozes infantis e juvenis revelam que algo essencial está se perdendo. Mesmo igrejas que, no presente, aparentam vitalidade e atraem jovens com estratégias contemporâneas (sem entrar aqui no mérito dessas abordagens), também serão afetadas no futuro pela redução da taxa de nascimentos.
Enquanto o mundo islâmico promove ativamente o crescimento populacional como estratégia missionária — ocupando espaços na política, na justiça, na cultura e em outros setores de diversas nações, especialmente na Europa —, os cristãos enfrentam um preocupante declínio demográfico. A baixa natalidade entre os cristãos compromete não apenas sua presença cultural e social, mas também o cumprimento da missão. O Reino de Deus avança por meio da proclamação do evangelho, mas também através das gerações que se levantam no temor do Senhor, influenciadas pela fé dos pais e pelo ensino fiel das igrejas.
Sem crianças, não apenas falta alegria nos lares, mas também faltam futuros obreiros — filhos que, alcançados pelo evangelho desde cedo, se tornem amanhã líderes, evangelistas, pastores, missionários e colunas na casa de Deus. Igrejas sem crianças são igrejas sem futuro. E essa é uma realidade que precisa ser encarada com seriedade e urgência.
As igrejas precisam, com sabedoria e fidelidade bíblica, adotar estratégias que incentivem a natalidade e fortaleçam a visão cristã da família segundo as Escrituras. Eis algumas ações práticas que podem ser consideradas:
- Cursos para noivos: Incluir, nos encontros preparatórios para o casamento, temas como o propósito da família, o mandamento bíblico de frutificar e a bênção divina da procriação;
- Ensino bíblico contínuo sobre a família: Pregar com regularidade sobre o valor dos filhos, a bênção da maternidade e da paternidade, e o papel multigeracional da fé (cf. Salmos 78:4-7);
- Apoio às famílias: Desenvolver programas de treinamento, recolocação no mercado de trabalho e orientação espiritual para casais jovens, especialmente os que enfrentam dificuldades para iniciar a criação de filhos;
- Ministérios voltados para pais e mães: Oferecer grupos de discipulado, aconselhamento e comunhão voltados à paternidade e maternidade cristãs, promovendo uma criação de filhos fundamentada na Palavra de Deus;
- Celebrações familiares: Realizar eventos especiais que honrem a maternidade e a paternidade, reforçando publicamente o valor e a dignidade da família no contexto da igreja local;
- Promoção da adoção cristã: Incentivar a adoção de crianças órfãs ou abandonadas, desmistificando preconceitos e oferecendo suporte prático e espiritual às famílias adotivas;
- Educação intencional dos jovens: Ensinar, nas classes e cultos de jovens, a doutrina bíblica da família, preparando-os para abraçar a paternidade e a maternidade como um chamado divino e um instrumento de bênção no mundo.
Incentivar a natalidade nas igrejas não é apenas uma ação social ou estratégica — é um dever espiritual diante de Deus, que ordenou: “Frutificai e multiplicai-vos” (Gênesis 1:28). Que a igreja do Senhor volte seus olhos para essa realidade, e com sabedoria e coragem, prepare a próxima geração para glorificar a Deus com suas famílias.
5. A Solidão na Velhice e a Ausência de Netos
Vivemos um tempo em que muitos que criaram com alegria seus filhos não terão a experiência de serem avós. A solidão na velhice é uma realidade crescente, e a ausência de netos, num cenário marcado pela baixa natalidade e por novas prioridades familiares, adiciona uma camada particular de desafios emocionais e sociais para muitos idosos. Aqueles que dedicaram sua vida à criação dos filhos, mas não desfrutarão da avosidade, podem enfrentar consequências dolorosas e profundas.
5.1. Perda de Propósito e Papel Social
A avosidade é frequentemente vista como uma nova fase de propósito e alegria na vida adulta. Para muitos, ser avô ou avó representa:
- Continuidade familiar: A oportunidade de ver a linhagem familiar prosseguir e a chance de transmitir valores, memórias e fé cristã à nova geração.
- Um novo papel social: Os avós frequentemente se tornam pilares de apoio para seus filhos na criação dos netos, oferecendo cuidado, sabedoria e um elo entre gerações. A ausência desse papel pode gerar um sentimento de vazio e a percepção de que uma etapa importante da vida foi perdida.
- Perda da “função de avô/avó”: Sem netos, muitos idosos se veem privados de atividades características da avosidade — contar histórias, brincar, ensinar, orar por seus descendentes e demonstrar afeto de forma singular. Isso pode resultar em um sentimento de inutilidade ou de que algo essencial está faltando.
5.2. Aumento da Solidão e do Isolamento Social
A solidão é um dos maiores flagelos da velhice, e a ausência de netos pode agravar esse sofrimento de várias formas:
- Menos interação intergeracional: Netos trazem vida, barulho, movimento e novos motivos para encontros familiares. Sem eles, o convívio se reduz aos filhos adultos, muitas vezes absorvidos por suas próprias rotinas.
- Perda de um ciclo de alegria: O nascimento e crescimento dos netos são marcos de grande celebração e esperança. Sua ausência pode causar melancolia, ou até mesmo uma “santa inveja” de amigos que desfrutam dessa realidade.
- Dificuldade em manter laços sociais: Em muitas comunidades, os netos são um ponto comum de conversa e conexão entre os idosos. Não tê-los pode dificultar a socialização com outros da mesma faixa etária.
5.3. Prejuízos Emocionais e Psicológicos
A frustração por não ter netos pode impactar profundamente a saúde mental e emocional dos idosos:
- Sentimento de privação ou perda: Mesmo que os netos nunca tenham existido, a expectativa natural de tê-los pode gerar uma sensação de perda, como se uma parte essencial da existência tivesse sido negada.
- Questionamento e arrependimento: Alguns podem se culpar por decisões do passado ou lamentar as escolhas de seus filhos, gerando arrependimento ou frustração por não terem vivido a experiência da avosidade.
- Estresse e ansiedade: A insegurança quanto ao futuro e a quem cuidará deles na velhice avançada, sem o suporte de netos, pode gerar ansiedade e medo.
- Tristeza profunda: A solidão crônica, aliada à ausência de propósito renovado, pode contribuir para o surgimento ou agravamento de um abatimento profundo, uma tristeza persistente ou aflições da alma que afetam o ânimo e a disposição para viver com esperança.
5.4. Desafios na Rede de Apoio e Cuidado Futuro
Embora os filhos ainda sejam a principal fonte de apoio na velhice, os netos desempenham um papel complementar e essencial na continuidade do cuidado familiar:
- Rede de apoio mais restrita: Quando os filhos optam por não ter filhos, a rede de suporte torna-se mais frágil, aumentando o risco de abandono ou negligência involuntária no futuro.
- Preocupações com o cuidado futuro: A ausência de uma geração mais jovem — netos e bisnetos — gera dúvidas sobre quem oferecerá cuidado emocional, espiritual e prático à medida que as limitações aumentarem com a idade.
Conclusão
O envelhecimento da população e a baixa natalidade representam desafios urgentes que afetam não apenas a sociedade, mas também a vida das igrejas. A Bíblia nos ensina a ver os filhos como herança do Senhor, uma bênção que traz alegria, propósito e continuidade à família e ao povo de Deus. Optar por não ter filhos — salvo em casos de impossibilidade — contraria o mandamento divino e acarreta consequências que repercutem na sociedade, na solidão da velhice e no esvaziamento das igrejas.
A adoção é uma solução bíblica que reflete o coração amoroso de Deus, oferecendo esperança a casais inférteis e uma oportunidade para que todos os cristãos participem do cuidado das crianças necessitadas.
As igrejas têm um papel fundamental para reverter essa tendência, ensinando a visão bíblica da família, apoiando pais e mães, e promovendo tanto a natalidade quanto a adoção. Que possamos obedecer ao chamado divino para “frutificar e multiplicar”, edificando famílias sólidas e igrejas vibrantes, que cuidem da geração presente e alcancem as futuras gerações para a glória de Deus.
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Glossário
- Childfree (Livre de Crianças): Pessoas que optam voluntariamente por não ter filhos. Esse movimento não se posiciona contra a maternidade em si, mas defende a autonomia reprodutiva e o direito individual de não procriar, questionando a pressão social para ter filhos.
- Antinatalismo: Filosofia ética que considera a procriação moralmente errada, defendendo que as pessoas deveriam evitar ter filhos. Os motivos incluem preocupações com o sofrimento da vida, superpopulação e impacto ambiental.