“Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, e com choro, e com pranto. E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor vosso Deus; porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal.” (Joel 2:12-13)
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Deixando de lado os intermináveis debates sobre a data do livro e outros detalhes, nos quais os estudiosos frequentemente apresentam divergências, mas não sobre a integridade da obra, é fundamental focarmos na mensagem intrínseca. As profecias, originalmente dirigidas a Judá, transcendem as fronteiras de contexto e tempo, possuindo um alcance universal. Esta mensagem está profundamente conectada à missão da igreja: levar o evangelho aos confins da Terra, denunciando o pecado e convocando para o arrependimento genuíno, promovendo a reconciliação com Deus e a consequente restauração do ser humano por meio da Pessoa e da Obra de Jesus Cristo.
O quadro caótico pintado por Joel é resultado direto do pecado de Judá. A devastação nas lavouras causada pela praga de gafanhotos, gerando a escassez (1:4-7, 12-13); a seca que torna a terra estéril, dificultando a produção de alimentos e agravando a fome (Joel 1:12-13); os inimigos que invadiriam a terra, destruindo cidades e causando mortes (Joel 2:1-11); o caos que atinge o campo, transformando os pastos em deserto, ameaçando a vida de pessoas e animais, afeta também o serviço do templo (1:16-17, 2:19).
O enfoque missionário permeia toda a Bíblia, destacando-se o chamado de Abraão como um marco. Através de sua descendência, Deus estabeleceria uma nação, pela qual todas as famílias da terra seriam abençoadas (Gênesis 12:3; 22:18; 28:14; Atos 3:25). Essa promessa encontra cumprimento em Cristo, que veio ao mundo na plenitude dos tempos (Gálatas 4:4). No entanto, o povo escolhido, através do qual o Messias viria para trazer a salvação, se afastou de Deus, falhando em realizar a missão e rejeitando o próprio Salvador (João 1:14).
O “Dia do Senhor” é a expressão usada para o juízo, que se manifesta por meio da devastação natural com pragas e secas, e mais tarde com a invasão da terra e os exílios. Além disso, aponta para o evento escatológico do juízo final. O saudoso pastor Isaltino Gomes Coelho Filho nos diz que “é curioso que em nenhum momento Joel diga que o povo está sendo julgado pelos seus pecados, mas na chamada ao arrependimento, fica bem claro que houve alguma coisa de errada na conduta do povo. Este é exortado a se arrepender e, se assim fizer, ‘quem sabe se não se voltará e se arrependerá, e deixará após si uma bênção?’” (Joel 2:14)1. Embora o “Dia do Senhor” anuncie o castigo de Deus sobre os ímpios, esse dia está perto para Judá (Joel 1:15).
A trombeta de Sião (Joel 2:1,15) ecoa hoje como um alerta para o perigo de nos afastarmos de Deus e negligenciarmos a missão. O cristianismo nominal, os cultos antropocêntricos, as mensagens destoantes da piedade, os ídolos em meio ao povo, os desvios doutrinários, os pecados ocultos ou normatizados pela ressignificação das Escrituras, e tantas outras coisas trazem a disciplina do Senhor e advertências visando o arrependimento. Mesmo as ações virtuosas destituídas de espiritualidade podem apresentar um falso crescimento e dar a falsa sensação de que a missão está sendo cumprida, quando na verdade há escassez de frutos autênticos.
O primeiro amor — Deus como primazia (Apocalipse 2:4) — precisa ser restaurado na vida das igrejas, para que desfrutem da alegria e das bênçãos da comunhão com Deus e tenham autoridade para proclamar aos pecadores as boas novas de salvação. Para que isso ocorra, há uma convocação ao arrependimento genuíno, que contrasta com práticas meramente exteriores: “E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor vosso Deus…” (Joel 2:13; Apocalipse 2:5).
Hernandes Dias Lopes destaca: “Não é suficiente chorar pelas consequências de nosso pecado; devemos chorar pelo nosso pecado”2. De fato, muitas vezes choramos pelo que o pecado produz, mas esquecemos que ele é a causa do caos e do sofrimento no mundo inteiro. Não podemos esperar que nossos erros ou omissão produzam o bem, mas apenas o mal. A lei da semeadura é atemporal e universal. O que a vida afastada de Deus produz é o resultado dessa escolha. Quem não reconhecer o cerne do problema — o pecado — e não se arrepender verdadeiramente, continuará na prática de um viver que só acarretará males e sofrimentos, atraindo, por fim, o julgamento implacável de Deus.
O verdadeiro arrependimento não se comprova por experiências emocionais que não expressem uma mudança real de mentalidade que leve ao abandono do pecado e à busca por “andar dignamente diante do Senhor” (Colossenses 1:10; 2:6; Gálatas 5:16; Efésios 5:15). As promessas de restauração são cumpridas a partir do retorno sincero para Deus, e não alcançadas por meio de rituais. O encontro com o Eterno leva à percepção e reconhecimento da realidade: “Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos.” É somente a partir do quebrantamento que estamos em condições para responder ao Senhor: “Eis-me aqui, envia-me a mim” (Isaías 6:5,8) — porque quem não chora pelo próprio pecado, não pode chorar pelos demais pecadores. Talvez isso explique tantos olhos secos (Joel 1:5; 2:12,13). “O povo de Deus anda com os olhos enxutos demais […]. Se compreendemos o estado da igreja e a nossa situação e não choramos é porque já estamos endurecidos.”3
A convocação ao arrependimento, seguida de promessas de restauração e bênçãos (Joel 2:13; 18-32), transcende Judá, perpassa os séculos, ganhando ênfase na pregação de João Batista, no ministério de Jesus, torna-se o tema central da mensagem da igreja (Mateus 3:1,2; 4:17; Atos 2:38; 3:19) e tem alcance universal. Revela tanto o juízo de Deus sobre os obstinados no pecado quanto Sua disposição amorosa para perdoar os que creem e restaurá-los à imagem do Filho. (Colossenses 3:10; Romanos 8:10; 2 Coríntios 2:18). A confiança que temos é que “há de ser que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Joel 2:32; Atos 2:21; Romanos 10:13).
Joel nos ensina a importância da intercessão no cumprimento da missão: “A ti, ó Senhor, clamo…” (Joel 1:19). O Rev. Hernandes Dias Lopes diz que “o profeta Joel não é apenas um profeta e pregador; mas, também, intercessor. Ele não apenas fala da parte de Deus aos homens, mas também clama a Deus a favor dos homens”4. Ao contrário de Jonas, que desejou que a mão de Deus pesasse sobre os ninivitas, Joel demonstrou compaixão pelo povo. Cumprir a missão não é pregar friamente. O “Ide” é realizado com base no amor — “paixão pelas almas” — e na persistente oração pela salvação dos perdidos pelo conhecimento da verdade (Romanos 10:1; 1 Timóteo 2:1-4).
Enquanto o pecado atrairia o juízo divino, o arrependimento sincero resultaria na restauração da normalidade, na fertilidade da terra e na paz. Podemos dizer que essa profecia de restauração, em seu desdobramento futuro, se concretiza no cumprimento da promessa do derramamento do Espírito Santo, em Atos 2 (Joel 2:28-29; Atos 2:16-21). Nesse evento, muitos que ouvem a mensagem em sua própria língua de nascimento — porque Deus comunica com o homem na língua do homem —, se arrependem e rendem-se a Cristo, são integrados na família de Deus (a igreja) e neles é restaurada a imagem do Criador, antes prejudicada por causa do pecado (Romanos 3:23; Colossenses 3:10; Romanos 8:29; 2 Coríntios 3:18). Ali teve início a “grande colheita” que segue até a volta do Senhor. A visão de João comprova o caráter universal de missões — fazer discípulos de todas as nações (Mateus 28:19): “Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro…” (Apocalipse 7:9 — grifo do autor).
A obra de restauração realizada pelo Espírito Santo tem sua culminância na glória na eternidade, quando não haverá mais lágrimas; não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque as primeiras coisas já passaram (Apocalipse 21:4).
Reflita
1. Antes de falarmos sobre missões, precisamos avaliar como anda nossa vida com Deus. Missões requer de nós uma espiritualidade saudável. Se amarmos a Deus prioritariamente, serviremos a Ele “em espírito e verdade” e seremos obedientes no cumprimento do “Ide” de Jesus (João 21:15-17).
2. Precisa haver choro no meio do povo de Deus. Primeiramente porque temos falhado e precisamos voltar ao “primeiro amor” (Joel 2:16-17), e porque há pessoas morrendo na perdição.
3. Todos os salvos são capacitados com a virtude do Espírito Santo para testemunharem “até aos confins da terra” (Atos 1:8). Que ninguém seja negligente.
4. Realizar a missão é proclamar o evangelho genuíno, para que, por meio do seu conhecimento, o Espírito Santo convença o pecador “do pecado, da justiça e do juízo” (João 16:8), visando a sua salvação e as bênçãos dela decorrentes (Joel 2:32; Romanos 10:13-15).
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